Wednesday, July 26, 2006
Friday, July 21, 2006
Wednesday, July 19, 2006
Aprendiz de Viajante
Al Berto
"Um dia li num livro: «Viajar cura a melancolia».
Creio que, na altura, acreditei no que lia. Estava doente,
tinha quinze anos. Não me lembro da doença que me levara
à cama, recordo apenas a impressão que me causara, então,
o que acabara de ler.
Os anos passam - como se apagam as estrelas cadentes
- e, ainda hoje, não sei se viajar cura a melancolia. No
entanto, persiste em mim aquela estranha impressão de que
lera uma predestinação.
A verdade é que desde os quinze anos nunca mais parei
de viajar. Atravessei cidades inóspitas, perdi-me entre mares
e desertos, mudei de casa quarenta e quatro vezes e conheci
corpos que deambulavam pela vasta noite... Avancei sempre,
sem destino certo.
Tudo começou a seguir àquela doença.
Era ainda noite fechada. Levantei-me e parti. Fui em
direcção ao mar. Segui a rebentação das ondas, apanhei
conchas, contornei falésias; afastei-me de casa o mais que
pude. Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha;
vi crepúsculos e noites sobre um rio, amei a existência.
Dormia onde calhava: no meio das dunas, enroscado
no tojo, como um animal; dormia num pinhal ou onde me
dessem abrigo, em celeiros, garagens abandonadas, uma
cama...
E quando regressei, regressei com a ânsia do eterno
viajante dentro de mim.
Hoje sei que o viajante ideal é aquele que, no decorrer
da vida, se despojou das coisas materiais e das tarefas
quotidianas. Aprendeu a viver sem possuir nada, sem um
modo de vida. Caminha, assim, com a leveza de quem
abandonou tudo. Deixa o coração apaixonar-se pelas
paisagens enquanto a alma, no puro sopro da madrugada,
se recompõe das aflições da cidade.
A pouco e pouco, aprendi que nenhum viajante vê o
que outros viajantes, ao passarem pelos mesmos lugares,
vêem. O olhar de cada um, sobre as coisas do mundo, é
único, não se confunde com nenhum outro.
Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica.
Afasta o espírito do que é supérfluo e inútil; e o corpo
reencontra a harmonia perdida - entre o homem e a terra.
O viajante aprendeu, assim, a cantar a terra, a noite e
a luz, os astros, as águas e a treva, os peixes, os pássaros
e as plantas. Aprendeu a nomear o mundo.
Separou com uma linha de água o que nele havia de
sedentário daquilo que era nómada; sabe que o homem
não foi feito para ficar quieto. A sedentarização
empobrece-o, seca-lhe o sangue, mata-lhe a alma -
estagna o pensamento.
Por tudo isto, o viajante escolheu o lado nómada da
linha de água. Vive ali, e canta - sabendo que a vida não
terá sido um abismo, se conseguir que o seu canto, ou
estilhaços dele, o una de novo ao Universo."
Al Berto, in O Anjo Mudo