O Relógio
Clock with Blue Wing by Marc Chagall
Os chineses vêem as horas que são nos olhos dos gatos. Um dia, um missionário passeando por um subúrbio de Nanquim, apercebeu-se que se tinha esquecido do relógio, e perguntou a uma criança que horas eram.
O garoto do Império Celeste hesitou primeiro; depois, mudando de parecer, respondeu: Eu já lhe digo. Pouco depois reapareceu trazendo nos braços um gato muito gordo, e fitando-o no alvo dos olhos afirmou sem hesitar: Ainda não é meio-dia. O que era verdade.
Por mim, se me debruço sobre a linda Féline, a tão bem baptizada, que é ao mesmo tempo a honra do seu sexo, o orgulho do meu coração e o perfume do meu espírito, quer seja de noite, quer seja de dia, em plena luz ou na sombra opaca, no fundo dos seus olhos adoráveis eu vejo sempre distintamente as horas, sempre a mesma hora, uma hora vasta, solene e grande como o espaço, sem divisão em minutos ou segundos - uma hora imóvel que os relógios não marcam, e no entanto, leve como um suspiro, rápida como um golpe de vista.
E se qualquer importuno me viesse perturbar enquanto o meu olhar repousa sobre esse delicioso mostrador, se qualquer génio malévolo e intolerante, qualquer demónio me viesse perguntar: Que estás olhando com tanto interesse? Acaso lá vês as horas, mortal pródigo e ocioso?, eu responderia sem hesitar: Sim, vejo as horas. Agora é a Eternidade!
Charles Baudelaire
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