Wednesday, November 29, 2006

Sete vezes

...
"Sete vezes desprezei a minha alma:

A primeira vez, quando a vi submeter-se,
para poder almejar às alturas.

A segunda vez, quando a vi coxear
perante os aleijados.

A terceira vez, quando lhe foi dado
escolher entre o difícil e o fácil...
e ela escolheu o fácil.

A quarta vez, quando cometeu um erro
e se reconfortou com o facto dos outros
também errarem.

A quinta vez, quando se retraiu por fraqueza,
atribuindo à força a sua paciência.

A sexta vez, quando desprezou a fealdade
de um rosto, não se apercebendo que se
tratava de uma das suas máscaras.

A sétima vez, quando cantou uma canção
de louvor e acreditou que isso era uma virtude."
...
Kahlil Gibran, in "Sand and Foam"

Friday, November 17, 2006

Nota

Gonconda, by Magritte
...
"Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida,e os sentidos possíveis são muitos."
...
Bernardo Soares, in Fernando Pessoa

Wednesday, November 15, 2006

O Nome

Nasci
numa encruzilhada de cascatas.
Beijei as sombras nocturnas.
Segui a rota do vento.
...
Toquei a acácia tentando
aprender a soletrar
o meu nome verdadeiro.
...
Ninguém mo disse.
Ninguém o saberia.
...
Não sei que geografia guardará
letra a letra
o improvável mapa da alegria.
...
Sei
tão só
que um dia
...
numa esquina
...
José Fanha
(in "Tempo Azul")

Sunday, November 12, 2006

Interminável


Olhar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.
...
Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.
...
Ver no dia ou no ano um símbolo
Dos dias do homem e dos seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Numa música, um rumor e um símbolo,
...
Ver na morte o sono, no ocaso
Um triste ouro, tal é a poesia,
Que é imortal e pobre. A poesia
Retorna como a aurora e o ocaso.
...
Às vezes, pelas tardes uma cara
Nos olha desde o fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a nossa própria cara.
...
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.
...
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heraclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.
...
Jorge Luis Borges
("Arte Poética", in "O Fazedor")

Wednesday, November 08, 2006

Falsa Solidão


"A verdadeira solidão
é encontrada na humildade,
que é infinitamente rica.
A falsa solidão
é o refúgio do orgulho,
e infinitamente pobre."

...
Cecília Meireles, in "Solidão e Falsa Solidão"

O Absurdo Vivo



"Ei, voçês ai, desse lado

Homens, mulheres, outros,

Fantoches do instituído

Figurantes mutilados

Transeuntes apressados

Refugiados à sombra do anonimato

Servos, senhores,

Explorados, exploradores

Tiranos, competidores

Caçadores de canudos e status social

Escravos do tédio e da TV

Predadores sem escrúpulos à cata do poder

Viciados do lucro e do sucesso

Apostadores da bolsa

Amantes da finança

Eh! Voçês!

Prisioneiros do absurdo

Parem! Ouçam!

O meu isolamento é tão ridículo

Quanto a vossa existência

...

Para vossa informação

Não me vestirei decentemente

Adoptarei uma postura demente

Cambalearei desleixado no palco

Vomitarei obscenidades sempre que me apetecer

...

Estou interessado na liberdade."

...

António Pedro Ribeiro